Felicidade

Sobre felicidade e brincadeira de esconde-esconde.

Parecia-me tão fácil e simples refletir e escrever sobre felicidade. Tão simples, mas, aos poucos, foi se tornando tão difícil que, há dias, não consigo expressar por escrito a respeito da profundidade e da complexidade que envolve o tema. Apesar da exuberância inspiradora das paisagens verdejantes da bela e imponente Serra da Mantiqueira, região da maravilhosa cidade de Campos do Jordão, onde estive em companhia de minha esposa, durante o carnaval, o tema felicidade parece que me escapa por entre os dedos. Quando penso que já sei razoavelmente bem sobre o significado de ser feliz, as ideias tornam-se vazias ao tentar expressá-las, gerando em mim certa angústia.

Será, então, que a felicidade estaria relacionada a isto, ou seja, com a simplicidade e a complexidade? Quando penso que a possuo, ela se esconde de mim, mergulhando-me num vazio quase insuportável. No mesmo tempo, inquieto-me por possuí-la pois, cada qual, como seres humanos, estamos no mundo para buscar e experimentar a felicidade. Intensamente! Tal busca, talvez esteja na essência de nossa alma.

Ou será que a felicidade nem existe e, por não existir em si, deixa sempre no ser que pretende ser feliz, o desejo ardente de possuí-la e poder viver nela e por ela, mesmo que seja pela simples ilusão de não voltar a perdê-la?

Será que a felicidade não está numa pessoa, num tesouro que seja, num encanto ou num encontro, não está num sonho, num abraço ou num beijo? Onde estará então? Será algo tão profundo que, quando sentida verdadeiramente, plenifica tanto o ser que acaba escapando de repente, deixando apenas seu inebriante perfume?

Ah, felicidade, parece que tu brincas comigo. Brincas de esconde-esconde conosco. Afinal, onde tu te escondes?

Conta-se que o almiscareiro, animal que vive nos inacessíveis altos picos do Himalaia, quando atinge certa idade, começa a sentir o cheiro penetrante que exala no ambiente ao seu redor. Com o passar do tempo, seduzido pela intensidade do perfume, passa a correr pelas montanhas, pulando de um lado para outro, dias e noites sem parar, sem repouso nem alimento. Sabe-se, inclusive, de casos em que o almiscareiro salta dos altos picos, caindo para a morte no vale que se estende abaixo, sem se dar conta que o perfume tão persistentemente buscado fora de si, encontrava-se dentro dele mesmo.

Algo semelhante se passa conosco. Muitas vezes, passamos a vida buscando a felicidade no dinheiro, no amor, na fama, no poder, no consumismo, no hedonismo, no sexo e, muitas vezes, no uso das drogas. Distraídos com as intensas demandas do mundo material, esquecemo-nos do mundo de nossa interioridade, quem sabe, o mais significativo dos mundos. Veja que interessante:

No final dos anos setenta, um grupo de pesquisadores norte-americanos resolveu realizar a seguinte pesquisa: acompanharam um grupo de 22 pessoas que no último ano haviam recebido importantes prêmios em loterias e outro grupo de 29 pessoas que no último ano haviam sofrido um acidente e, por conseqüência, passaram a depender de cadeira de rodas.

Quando compararam os níveis de felicidade de ambos os grupos com um grupo de 22 pessoas, às quais não havia acontecido nada de extraordinário no último ano, encontraram um resultado surpreendente: o grupo dos ganhadores em loterias não eram mais felizes e, além disso, os níveis de felicidade das pessoas que haviam ficado em cadeiras de roda eram somente um pouco mais baixos do que essas 22 pessoas. Sim, havia alguma diferença, mas era muito pouca comparada com o que se esperava.

Duas situações tão distintas e opostas como ganhar na loteria e perder a mobilidade não causou mudanças drásticas nos níveis de felicidade: da mesma maneira que a felicidade não se esconde num bilhete de loteria, a infelicidade não espreita uma cadeira de rodas.

A preocupação e a busca da felicidade remontam a tempos imemoriais, fazendo-se sempre presente ao longo da história da humanidade.

Os filósofos gregos, sobretudo Aristóteles, já escreviam sobre ela, e desde então inúmeros poetas, filósofos, psicólogos e cientistas de várias áreas do conhecimento têm se perguntado sobre esse tema.

Apesar de até hoje não termos uma definição unânime sobre o que é a felicidade, parece claro que é um sentimento muito complexo e subjetivo que vai muito além da simples experimentação de momentos bons. Felicidade inclui alegria, mas também se relaciona com outras emoções como a esperança, o amor, o compromisso, o desafio, a superação e, inclusive, a dor. Estaria, quem sabe, no âmago de nossos anseios mais profundamente humanos?

Amor, dinheiro, saúde… Onde, afinal de contas, pode-se encontrar a felicidade?

Conta uma lenda bem antiga: para que os homens nunca fossem felizes, o anjo do mal decidiu esconder a felicidade. Inicialmente, pensou escondê-la no topo da montanha mais alta do mundo, mas logo tomou consciência de que mais cedo ou mais tarde o homem chegaria lá em cima e acabaria se encontrando com a felicidade. Noutro dia, resolveu escondê-la no mais profundo do mar, porém intuiu que o homem poderia, quem sabe, inventar alguma máquina e acabar chegando lá e descobri-la. Passaram longos anos e, finalmente, o anjo do mal encontrou o esconderijo perfeito para a felicidade e disse a si mesmo:

– Já sei! Esconderei a felicidade dentro dos próprios homens. Eles estarão tão ocupados e preocupados buscando-a em todas as partes do mundo que jamais passará por suas cabeças olhar para dentro deles mesmos, onde reside a verdade.

Como já disse anteriormente, nos ocupamos tão intensamente em buscar a felicidade em tantos lugares, que não nos damos conta de olhar com os olhos do coração, onde, ela sempre esteve. Podemos percebê-la em nós toda vez que nos sensibilizarmos para enxergar belezas nunca dantes vistas, sempre que nossas palavras mais ternas puderem expressar nossos amores escondidos, quando nossos ouvidos conseguirem ouvir o inaudível e nossas mãos e nossos braços estiverem aptos para os abraços mais calorosos. Quando nossos lábios, finalmente, pronunciar as palavras mais doces de amor e de perdão.

Encontrar a felicidade não depende somente de nossa capacidade de buscá-la.

É preciso abrir o coração, despir-se dos preconceitos e vivenciar intensamente cada momento de nossa existência.

Felicidades a todos e a cada um de nós.

José Donizetti dos Santos 

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